FAMÍLIA, VIDA E MISSÃO

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terça-feira

Apêndice 2: A Adolescência

Apêndice 2: A Adolescência
A adolescência se caracteriza por ser um período da vida que se estende entre a infância e a idade madura. Adolescência designa um processo e não um estado. Este período de transição está em continuidade com a fase anterior, a infância, e igualmente com a que se segue, a madureza.
Difícil dizer quando a criança, do seu mundo infantil, cruza a fronteira da adolescência e o homem e a mulher adultos deixam para trás o mundo adolescente e juvenil. A dificuldade se dá exatamente porque o desenvolvimento do indivíduo é continuo e, assim como o adulto está pré­-formado no adolescente, o próprio adolescente já se acha inscrito na infância.
A pessoa humana está sempre em mudança. Aliás, a vida se caracteriza por este movimento constante em direção à maturidade biológica, psicológica, existencial, social, política, religiosa, etc. No entanto, essa continuidade da evolução, esse desdobramento progressivo da pessoa humana passa por períodos em que tudo parece ser questionado. A adolescência é o estágio que se configura como um período radical de transição. A palavra "radical" aparece aqui como um fator diferencial e caracterizador desta etapa do processo de crescimento e desenvolvimento do ser. Num período relativamente curto, canalizam‑se as forças poderosas da vida, de forma a produzir e permitir um crescimento rápido e de proporções amplas.
Em geral, quando se fala em adolescência, acentuam‑se muito as questões ligadas à maturação sexual que, sem dúvida, são importantíssimas. Mas, em verdade, a puberdade é um acontecimento implícito num contexto maior que é a adolescência. Para além das mudanças biológicas que se produzem durante a adolescência, importa, sobretudo, a vontade de crescer. Crescer é um desafio. Os desafios jamais podem ser enfrentados com passividade. A tendência do adolescente é querer permanecer naquele mundo "irresponsável" da infância. Aquele que entra na adolescência tem que, gradativamente, adquirir a consciência de que é responsável e sujeito do seu próprio desenvolvimento.
Na dinamicidade da vida humana, nem tudo se dá naturalmente. Não são apenas membros e corpos que ganham novas dimensões e contornos, mas um caráter e uma individualidade precisam ser forjados. E isso nem sempre é muito lembrado.
A adolescência também se caracteriza por ser um período de crise. Crise não apenas para os adolescentes, mas igualmente para os pais e educadores.
A) A crise dos adolescentes
O menino ou a menina que entra na adolescência inicia o seu "adeus à infância". O brinquedo que até então era‑lhe inseparável, ao mesmo tempo que começa a ser deixado de lado, começa a lembrar‑lhe um tempo que se foi passando e que não mais voltará. Brota daí um sentimento de perda.
O pré‑adolescente vive momentos contraditórios: vê que não é mais a criança que era, mas ainda não é o jovem‑adulto que gostaria de ser. Muitas vezes, resvala no mundo pueril que já não é propriamente o seu mundo. O sentimento de perda vai sendo substituído por um sentimento de rejeição por tudo aquilo que o liga à infância. Contudo, ainda não é capaz de romper definitivamente com ela.
O adolescente percebe também o quanto está longe do mundo dos adultos. Esta indefinição de "estado" é geradora de um conflito que, com o tempo, vai sendo superado. Para superar esta crise de identidade social, os adolescentes acabam criando a sua própria “pátria".
A maneira contraditória pela qual os pais passam a tratar o adolescente reforça essa situação de indefinição de papéis. De um lado, os pais exigem posturas mais condizentes com a idade, mas, por outro, negam um maior grau de independência por se tratar ainda de uma "criança".
O crescimento, aparentemente desordenado, do corpo do adolescente é um outro fator de desconforto. Braços, pernas, pés, mãos tornam‑se compridos. Emagrecem e espicham, superando, às vezes, a altura dos pais. O nariz parece‑lhes pouco estético. As espinhas surgem no rosto, o suor passa a exalar um cheiro mais forte e os pelos espalham‑se por todo o corpo. Músculos se delineiam, seios se pronunciam. A voz se modifica e, entre o meninos, a "desafinação" é quase sempre motivo de chacota.
O novo visual estético, ainda que não definitivo, provoca uma certa desestabilização emocional. Todo este aumento da velocidade de crescimento e amadurecimento físico obriga a personalidade a reorganizar‑se em busca de um novo equilíbrio.
Deixar para trás o mundo da infância e o corpo infantil implica para o adolescente negar os parâmetros, valores e posturas por ele até então. Os novos referenciais serão buscados a partir de novas identificações que não se darão mais exclusivamente na esfera das relações familiares. Um outro “cordão umbilical” se rompe. Agora, novos laços devem substituir aquele tão curto.
B) A crise dos pais e dos educadores dos adolescentes.
Pais e educadores, a seu modo, são também atingidos pela turbulência da adolescência. O tradicional "minha mãe disse" vai sendo substituído por "minha colega disse". Pais e educadores começam a receber críticas e são cobrados quanto as suas incoerências e limitações, algo inconcebível quando era "o meu pai, o mais forte" e "a minha mãe, a mais bonita". As idealizações vão caindo por terra e o adolescente vai conhecendo uma realidade mais compatível com a verdade: seus pais são de carne e osso.
Quando chega a adolescência, muitos pais se surpreendem com os filhos. Vêem que aquela criança doce e meiga ficou para trás, cedendo lugar a um adolescente contestador e, muitas vezes, agressivo: "O que será que está acontecendo com o nosso filho? Tem andado tão estranho ultimamente!"
Ainda mais drástico é quando os adolescentes rejeitam o que seus pais e educadores lhes dizem ou aconselham, coisas estas, muitas vezes, adquiridas a partir da própria experiência de vida. Acabam mesmo fazendo ou achando justamente o contrário do que dizem. Já não são capazes de dialogar tanto com os pais. As vezes, mostram‑se fechados e impenetráveis. Mas com os amigos sentem‑se à vontade para expor e partilhar os seus problemas. As afirmações "minha família é um saco", "meus pais não me compreendem" ou "são quadrados" são muito típicas.
Tanto os jovens se sentem perdidos, abandonados, rejeitados, carentes, quanto os pais. Parece que, no dia‑a‑dia de uma família, vão‑se estabelecendo relações que, aos poucos, colocam barreiras entre pessoas que no fundo se amam.
Os pais vão percebendo que o centro da vida do adolescente vai‑se deslocando do lar para o colégio, para casa dos amigos, para o lugar dos "programas". Este gradativo afastamento e perda do controle total sobre o filho é causa de muitas preocupações, sobretudo diante dos virtuais perigos do mundo, aos quais todos estão sujeitos.
A crise está patenteada na medida em que toda conduta educativa tem que ser alterada. A crise dos pais e educadores, nesta hora, é, sobretudo, afetiva. A negação, ou não querer ouvir, os questionamentos e contestações, a ausência de casa, a recusa de um tipo de expressão de afeto, como o abraço, o beijo, são interpretados pelos pais como um "gostar menos", uma rejeição afetiva por parte do adolescente. E isto não é o mais exato ou verdadeiro. A negação faz parte de um processo de restruturação da personalidade que precisa se afirmar. A negação é essencialmente auto‑afirmação. A ânsia de conquistar a liberdade faz com que o adolescente procure se afastar dos pais, sem se dar conta do quanto ainda precisa deles.
Os novos códigos de afetividade dos adolescentes têm que ser percebidos e correspondidos, ao invés de os pais darem curso a um processo de vitimização que acaba funcionando como um tipo de chantagem afetiva, pouco producente e incorreto.
C) Chaves dos novos códigos de afetividade
Como os pássaros que começam a aprender a voar e a se distanciar do ninho e das asas da mãe, assim parecem os adolescentes. É interessante notar que a mãe‑pássaro é aquela que empurra o seu filhote para fora do ninho, acreditando na capacidade que terá de abrir a asas, batê‑las e alçar vôo. Os pais e educadores também deveriam possuir esta mesma "coragem".
Quando surge alguma dificuldade mais séria, é em casa, junto aos pais, que os adolescentes virão buscar o auxílio. Afetivamente, os adolescentes necessitam sentir seus pais e educadores como “portos seguros".
Além da segurança, em geral exercida pelos pais na retaguarda, os adolescentes precisam sentir­-se depositários da confiança deles. Confiar nos filhos é empurrá‑los em direção ao alto‑mar da vida que tanto desejam desbravar. O verdadeiro educador educa com as duas mãos: uma lança, enquanto a outra está sempre pronta para amparar. E amparar não pode ser nunca contundido com superproteger. A superproteção frustra a busca de autonomia do adolescente. Superpais que não dão espaço para os filhos administrarem os seus problemas e dificuldades contribuem para a formação de uma personalidade insegura e incapaz de enfrentar os embates da vida.
Por mais que um adolescente rejeite as sadias expressões de carinho e atenção dos pais, paradoxalmente eles as desejam e delas necessitam. É terrível para um adolescente perceber que os pais não voltam as suas preocupações em sua direção. Isto é sentido como sendo um sinal de indiferença. Neste caso é sempre melhor pecar pelo excesso do que pela falta. Muitos problemas comportamentais e disciplinares dos adolescentes têm como causa o sentimento do desinteresse dos pais. E a forma encontrada por eles de atrair a atenção dos pais sobre si.
Sobretudo os pais devem educar seus filhos tendo a consciência de que Deus tem um plano pessoal para cada um deles. Os filhos jamais poderão ser concebidos como projeções de seus genitores. É muito comum os pais desejarem realizar, através de seus filhos, os sonhos que não conseguiram substanciar. A tentativa de influenciar a escolha profissional dos filhos é um exemplo.<
Bom lembrar novamente que cada pessoa deve ser sujeito de si mesma. Os pais e os educadores, ao invés de exercer sua influência sobre os adolescentes, deveriam ajudá‑los a assumir as rédeas da sua própria história.
Segurança e confiança, portanto, são as chaves de interpretação dos novos códigos de afetividade entre adolescentes, pais e educadores.
D) Adolescência como prazer de descoberta
Apesar de todos os problemas e crises enfrentados na adolescência, este período da vida é muito prazenteiro. A adolescência é tempo de descoberta, tanto por parte dos adolescentes, quanto dos seus pais.
A consciência do adolescente vai‑se ampliando de forma a permitir um significativo avanço do difícil, mas arrebatador, processo de autoconhecimento. "Conhece‑te a ti mesmo", eis o grande imperativo da adolescência. O movimento de autoconhecimento sempre se dá a partir da periferia para o interior; da descoberta do corpo, mergulha‑se nos mistérios do homem interior.
O desejo de descobrir vem sempre acompanhado de coragem e audácia. Afinal, todo o desconhecido causa medo. O adolescente, na sua busca de autoconhecimento, depara‑se com forças desconhecidas e muito poderosas. Na adolescência, os jovens vivenciam grandes paixões, amores, ódios, amizades, alegrias e decepções; descobrem‑se como homens e mulheres; percebem que são capazes de pensar e agir por si próprios; fazem a experiência da solidão existencial, sobretudo diante das grandes opções; reconhecem novos traços e facetas das pessoas com as quais sempre convivera.
O extraordinário da adolescência para os pais e educadores é que vão acompanhando o desabrochar de uma pessoa a qual muito amam, mas que ainda não chegaram a conhecer completamente, porque não é tudo o que será. A vida de cada pessoa guarda sempre este lado misterial. Somente Deus é capaz de percorrer e explorar perfeitamente as suas galerias mais profundas.
Como vemos, pais e educadores também redescobrem seus filhos e educandos. Fundamental nesta hora que se construa entre eles a amizade. Filho conquistando a amizade dos pais e pais conquistando a amizade do filho. A sensação que esta descoberta mútua provoca, em parte, pode ser comparada com a alegria experimentada na hora do parto e do nascimento, quando os pais puderam erguer nos braços o filho: verdadeiramente, é um novo nascimento que começa a efetuar‑se.
Além de descobrirem a si mesmos, as pessoas e as suas forças básicas, os adolescentes abrem-­se ao mundo. Enquanto o mundo infantil vai‑se desintegrando, as possibilidades perante a vida, perante as pessoas, perante a tudo que existe multiplicam‑se vertiginosamente. A adolescência é o início do processo de socialização como busca de lugar na sociedade e no mundo que se descortina imenso.
Logo no início deste período, o adolescente começa a experimentar a sua autonomia. Já não é carregado pelos pais para todos os lugares que deseja ou não deseja ir. Em geral, começa a ir sozinho para a escola, sai com os amigos sem a companhia dos pais e muitos têm a autorização para participar de excursões ou viagens, ausentando‑se de casa por vários dias. Estas pequenas conquistas de autonomia fazem com que o adolescente vá fazendo a experiência de liberdade e servem‑lhe como prova concreta de que é depositário da confiança dos pais.
Importante, nesta hora de distensão dos laços protetores, que os pais apresentem o mundo com objetiva positividade. Muitos pais são tomados de um desejo inconsciente de frear nos adolescentes este movimento natural de saída para o mundo. Apresentam‑lhes um mundo negativo, feio, cheio de perigos e aterrorizador. Talvez causando‑lhes medo, acreditam estes pais que, na hora da escolha entre sair ou ficar, os filhos desejem mais a segurança e a proteção da proximidade dos pais.
Aos adolescentes não se deve privar o direito de construir um ponto de vista e uma experiência do mundo marcado pela positividade. Eles precisam ter a oportunidade e o direito de construir uma nova história a partir das relações e interações com o mundo isentas de preconceitos. Não é porque tal e qual coisa foi negativa na vida dos pais que ela, necessariamente, terá que o ser igualmente para os filhos.
Muitas vezes, em nome da experiência adquirida, os pais interferem inabilmente no processo de descoberta de mundo dos filhos, trocando‑lhes o prazer da conquista pelo medo do fracasso.

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